Praia da Barra em dia luminoso






Hoje quebrei alguns hábitos de comodismo. Levantei-me cedo e abalei tranquilo para a Praia da Barra. Para caminhar, olhar à volta, apreciar o que há e se faz, inspirar a maresia e sentir o prazer de gozar um dia luminoso. Luz, mais luz, ausência de vento, pouca gente nas ruas, uma ou outra no areal, dragas que passam para a remoção do que possa prejudicar a navegação, numa barra que sempre precisou destes cuidados, desde que Luís Gomes de Carvalho rebentou com a ponta da bota a já ténue barreira que separava as águas do oceano e da ria. 
Entrei pela primeira vez, depois do restauro e ampliação, no mercado da Barra, passei pelo Parque de Campismo onde inúmeras vezes fui feliz com a Lita e filhos, olhei para a capela de São João que tem por companhia Santo António. Lembrei as festas e a romaria que no dia próprio se faziam ao santo popular que, milagrosamente, eliminava os cravos que surgiam nos dedos do pessoal. Tanto cravo que era oferecido ao santo… 
O povo, de perto e de longe, passava em fila indiana pela minha porta. E eu também lá fui com minha mãe e irmão, mesmo sem cravos nos dedos.
A Barra estava realmente com pouco movimento. Lojas fechadas, casas à espera de quem as ocupe para férias, o farol a encher os nossos horizontes, a fonte, qual pobre e esquecido monumento, sem torneiras nem água, que agora toda a gente prefere a dita engarrafada, os parques de crianças sem vivalma, as esplanadas à espera da hora da bica. 
Olhei o areal e tentei recordar a primeira vez que pisei a praia. Não faço ideia… Só me veio à memória, retrocedendo bem no tempo, um livro que li, estendido na areia durante umas tardes, de Joaquim Paço d’Arcos, “Memórias duma nota de banco”, editado em 1962… Tinha eu 24 anos. 
Os meus amigos hão de estranhar, mas na minha infância não havia muito a tradição de frequentar regularmente as praias. Quando muito, no verão, aos domingos, lá se ia até ao mar para saborear uma merenda… Uns anos depois, já mais crescido, a praia tornou-se predileção da juventude, e não só. Só que eu, por ter adoecido gravemente dos pulmões, fiquei proibido de respirar os ares húmidos do mar. Outros tempos. 

Fernando Martins

Evocando o nascimento do meu primogénito

Bebé
Quando sonhava ser craque de futebol
50 anos


Faz hoje 50 anos. Era uma hora da manhã. De um quarto do Hospital da Santa Casa da Misericórdia de Aveiro sai um choro que se tornou estridente e aflitivo, caindo no meu coração. Senti a alegria, a emoção e a certeza de que era pai. Nasceu o meu primogénito. O que veio a ser e é na vida o meu Fernando. 
Corri eufórico para o quarto. Já estava na sua primeira cama, ao lado da Lita, que me olhou com a ternura estampada no rosto. E eu fiquei sem fala. As dores passaram à história, mas a história continua e continuará. E a eternidade, minha e da Lita, ficou quase garantida neste mundo terreno. Outros filhos vieram: O António Pedro, a quem nunca chamei António; O João Paulo, que desde há pouco não prescinde do João; e a Aida Isabel, a nossa Aidinha. Um dia chamei pela Aida e ela ripostou: — Aida? Eu emendei logo: — Aidinha… desculpa. E a família ficou completa. Até que surgiram os netos: Filipa, Ricardo e Dinis. E a família ficou muito mais rica e muito mais divertida. Às vezes os filhos e netos dão-nos mais trabalho, é certo, mas quando não aparecem é uma tristeza. 
O Fernando nasceu com dificuldade. Tão aconchegado estava no seio materno que nem vontade tinha de vir para este mundo, não sei se por preguiça se por medo, se pelo barulho que terá ouvido vindo de fora se por receio do que estaria para vir, se por ter sido interrompido na hora da sesta ou do jantar. O futuro é incógnito. E quando chegou gritou que se fartou. Foi tirado à força, a ferros, como se dizia. Estranhou o frio, as fraldas e roupinhas deviam provocar-lhe cócegas, sentia-se desconfortável e ainda hoje valoriza o conforto. Não é pecado gostar de estar bem sentado a ver o seu FCP, que o tem irritado os últimos anos, para ele não ser vaidoso. O vaidoso nunca vai longe.
A sensação de paternidade e maternidade não tem explicação. Não há palavras nem teorias nem conceitos nem ciências nem artes que nos descrevam o amor, a alegria, a ternura, o prazer, a beleza e a felicidade que sentimos em todos os momentos de nos darmos aos filhos e aos netos. Há tristezas, desgostos, doenças, mas os pais acreditam sempre que depois da tempestade vem a bonança.
O meu Fernando Manuel, o Fernando ou Fernandinho como o tratamos ou como alguns o tratam (Há até quem se dirija ao Senhor Fernandinho) está pois de parabéns. Já passou das boas: Tentou a emigração, andou pelos hospitais, não evitou o enfarte, deixou de fumar (mas fala todos os dias do cigarro! Há dias andava irritadíssimo e saiu-se com esta: — Isto com dois cigarros passava.). É sina sua, mas creio que não mais voltará a perder o juízo. E neste dia, 18 de maio, tenho a certeza de que vamos brindar à sua saúde. Parabéns, Fernando.

18-V-2016

As tias da Lita

Aida, Zulmira e Lourdes, 
as Oliveiras de Pardilhó
Aida, Zulmira e Lourdes
Aida, Zulmira e Lourdes eram conhecidas em Pardilhó, Estarreja, pelas Oliveiras. Filhas de Manuel Válega e de Ana Oliveira, as duas primeiras nunca casaram e a terceira casou tarde com António Fonseca de Pinho. Não tiveram filhos, mas assumiram  a sobrinha Hélia como filha. A Hélia era filha de Ismael Válega de Oliveira e Silva e de Maria da Luz Almeida Ramos, mas nunca viveu com eles, por razões várias.  
A Aida, conhecida por Aidinha, morreu cedo, aos 61 anos, com problemas cardíacos, ao tempo de tratamento difícil. Sempre olhei para esta tia como se fosse, e era, realmente, uma santa na verdadeira aceção da palavra: Alegre, disponível, desprendida, generosa, amiga de toda a gente, atenta aos doentes e a quem sofria. Quando anunciávamos a visita semanal, desfazia-se em amabilidades, nunca faltando as guloseimas para as crianças, que tinham pela  tia Aidinha uma adoração especial. 
A do meio, a Zulmira, era a líder do grupo. Nada se fazia sem ela dar o seu sim… Discutia as nossas decisões até acertarmos o passo com as suas opções, quando possível. Como madrinha da Lita, tudo queria orientar, qual maestrina de quem a orquestra dependia. Justa consigo própria e com os demais, cumpria rigorosamente os preceitos religiosos em que fora educada. Tal como as outras tias, diga-se de passagem.
A Lourdes era comerciante nata. Tinha em Aveiro, na Avenida Lourenço Peixinho, uma loja de fazenda e roupa interior, denominada “Lourdes de Pardilhó”. Consigo colaborava o marido, ex-emigrante no Brasil. E foi também responsável pela educação da Lita, inscrevendo-a no Colégio do Sagrado Coração de Maria que ficava perto de casa. 
A Lita, contudo, ia todos os fins de semana a Pardilhó, onde era uma menina mimada. Aí, já sabia que tinha de ouvir as recomendações da madrinha, alinhando logo que possível com os mimos e brincadeiras da Aidinha. A Zulmira era a educadora; a Aida era a cúmplice das brincadeiras.
Os nossos filhos deliravam quando íamos a Pardilhó. No carro até cantavam felizes por saberem quanto eram amados pelas tias. Olhavam para a Zulmira como quem olha para uma chefe e para a Aida como uma amiga muito próxima, que tudo aceita com uma alegria esfuziante. 
Ainda hoje, passados tantos anos, os nossos filhos a recordam com muita saudade. Tal como nós.

Egas Moniz na estação do Porto

  Quando vou ao Porto, a capital do Norte, lembro-me com frequência dos painéis que decoram a sala de entrada da Estação Ferroviária. Nunca ...